Nova York, 22 de dezembro de 1958.
Não havia uma nuvem sequer no céu daquela fria madrugada novaiorquina. As ruas do Greenwich Village quase imploravam por algo que findasse seu marasmo na mesma proporção com que a cerração tomava conta da superfície dos carros (o que marcava de vez a chegada do inverno). Um homem aparentemente de meia idade, cabelo grisalho e barba por fazer, fumava seu Lucky Strike enquanto lia um jornal surrado com a data do dia anterior na porta dos fundos de um restaurante italiano, tendo sua atenção interrompida apenas por um casal de namorados que passava na calçada enquanto protagonizavam uma discussão calorosa.
Do outro lado da rua se encontrava o Café Bohemia, um dos bares de jazz mais conhecidos de Manhattan. Famoso por seus inúmeros shows de talentos noturnos, oportunidades dadas a jovens aspirantes a novos artistas do cenário mais popular do momento. Gostar de jazz nos anos 50 era como beber água nos anos 50. O fenômeno provavelmente unia mais tribos de Nova York do que um fim de semana de jogo dos Giants. E na medida em que a noite ia se arrastando naquele frio de três graus celsius abaixo de zero, era possível, aos poucos, observar o vai e vem da grande porta negra do renomado bar (nessa altura do campeonato, mais “vai” do que “vem”). Perto das duas e meia da manhã, quando o som abafado da música que vinha de lá diminuiu drasticamente de volume, passou pela porta o que parecia ser o último casal que se regozijou em uísque escocês naquela noite de domingo, madrugada de segunda-feira.
Os fundos do Café Bohemia ligavam a um pequeno beco que era compartilhado com uma pizzaria modesta da região. Segundo os locais, a pizza dali “só valia a pena pelo preço”. O boato era de que as pizzas eram pré-prontas e apenas reaquecidas quando demandadas por um cliente. O curioso é que, por mais que evitassem o assunto, os funcionários nunca negavam veementemente a afirmação. “Seguimos as ordens do patrão…”. Era comum que esses mesmos funcionários eventualmente se encontrassem com os músicos e garçons do Bohemia no beco, considerando que era o único caminho que dava acesso à rua. Eram duas e cinquenta e nove da manhã, ouvia-se um tilintar de chaves, vozes abafadas se aproximando. A porta dos fundos do bar se abriu.
— Devin vai fechar hoje, certo? — disse George Clark, um talentoso cantor de jazz, conhecido por muitos como “o novo Sinatra” por conta do seu talento incomum. Muitos diziam estar sendo desperdiçado na noite de Nova York.
— Vai. — respondeu Joseph Davis, o contrabaixista da banda, e melhor amigo de George. Ambos tocavam juntos há tanto tempo que já premeditavam até mesmo os erros um do outro. — Pode guardar essa chave. Brenda está em casa?
— Não. Irlanda. — George tinha uma filha, com quem morava junto. A moça trabalhava meio período no Chock Full o’Nuts, na Broadway. — Aproveitou o recesso da faculdade para visitar a mãe.
— Linda deve estar infernizando a coitada. — disse Joseph, enquanto acompanhava George até a calçada. — Impossível não estar. Como ela tentou convencer Brenda da última vez? Oferecendo um carro?
— É mais provável que eu venha a largar o jazz do que Brenda largar Nova York. É apaixonada pela NYU, não para de falar nisso. — respondeu George, soltando um vapor de condensação pela boca, enquanto falava com um sorriso amarelo. Parecia estar enfatizando aquilo mais para convencer a si próprio do que por convicção. — Onde você estacionou o Fairlane?
— Sétima com a Bleecker. Logo ali na frente.
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